A mediação e a conciliação como intrumentos garantidores dos Direitos Humanos
Cassiane de Melo Fernandes[1]
Juliana Cristina Borcat[2]
Introdução [arriba]
Muito se fala em efetivação do acesso à justiça como um direito humano fundamental, mas a verdade é que o poder judiciário por si só se apresenta atualmente como incapaz de solucionar todos os litígios a estes apresentados, frente ao fenômeno de aumento da complexidade e litigiosidade dos conflitos que demandam respostas em um tempo real cada vez mais instantâneo em busca de um acesso à justiça digno.
O acesso à justiça na atualidade equaciona conflitos, e a ineficiência das instâncias administrativas em solucionar os conflitos faz com que estes acabem judicializados, criando um ambiente propicio para a crise e aumentando a litigiosidade, sem que o Estado tenha condições para atendê-la.
Assim, diversas pessoas acabam por não satisfazer o seu direito e tão pouco solucionar seu litígio.
Porém a Declaração da ONU de 1948 surgiu na comunidade internacional como resposta as atrocidades cometidas contra a pessoa humana nas grandes guerras mundiais o que deu ensejo na reconstrução dos direitos humanos que visam proteger os direitos intrínsecos ao homem como ser individual.
É direito intrínseco de o homem ter a proteção dos direitos que lhe são inerentes à sua essência e assim o acesso à justiça para a satisfação desses direitos é uma garantia fundamental da pessoa humana.
Porém, no cenário atual de afirmação dos direitos humanos, não basta que seja assegurado às pessoas o acesso à justiça, mas sim que este seja assegurado de forma digna, pois caso contrário à pessoa não terá a sua pretensão solucionada e consequentemente ocorrerá a violação de seu direito.
Conectada a ideia de proteção aos direitos humanos encontra-se a dignidade da pessoa humana, que com o advento da Constituição brasileira de 1988 se tornou o metadireito orientador de todos os demais direitos, sendo o fundamento do Estado democrático de direito.
Assim, sendo o acesso à justiça um direito humano fundamental previsto não somente na Constituição, mas também nas Declarações universais de direitos humanos como a Declaração da ONU de 1948 e essencial se faz que este seja realizado em prol de satisfazer dignamente a pretensão das partes.
O acesso à justiça é o mais básico dos direitos humanos, portanto, garantia fundamental para o exercício dos demais direitos e alicerce para o cenário atual da democracia contemporânea.
Os métodos alternativos de conflito como a Mediação e a Conciliação surgem no cenário atual de afirmação dos direitos humanos justamente para equilibrar o abismo do mundo do dever ser do acesso à justiça para o fundo efetivo e real do ser.
A Mediação e a Conciliação são mecanismos para evitar a obstrução das vias de acesso ao poder judiciário e assim não mais distanciar a população do poder judiciário.
A dignidade da pessoa humana traz ideais como o princípio da igualdade material e assim as pessoas devem ser tratadas na medida de suas diversidades, superando a dicotomia do vencedor-vencido nas lides processuais, assim a Mediação e a Conciliação visam dar ao acesso à justiça um provimento idôneo a produzir efeitos práticos a que ele se preordena.
1. A Dignidade da pessoa humana [arriba]
A dignidade no mundo contemporâneo tem uma função de metadireito, ou seja, esta acima de todos os outros direitos fundamentais e reflete sobre todos os outros direitos, pois, o Estado já nasce com a obrigação de respeitar a dignidade humana.
“Não se trata apenas de proteger uma vida física, mas a existência de acordo com a dignidade humana.” [3]
Nesse sentido, o ordenamento civil brasileiro deve estar em total consonância com a dignidade da pessoa humana, sob pena de estar violando a Constituição Federal.
Assim, a dignidade da pessoa humana deve ser o amparo das postulações judiciais buscando sempre a efetividade dos litígios de uma forma digna e igualitária às partes neste envolvidas.
O fato do metadireito da dignidade da pessoa humana estar acima dos demais direitos fundamentais deu ensejo ao que a doutrina chama de fenômeno da repersonalização do direito, que consiste em que todos os demais institutos jurídicos devam funcionar em prol de promover a máxima proteção da dignidade humana. [4]
Desde sempre a tendência dos ordenamentos constitucionais foi pautar-se pelo reconhecimento do ser humano como o centro e o fim do Direito. Essa inclinação, reforçada ainda depois da Segunda Grande Guerra, encontra-se plasmada pela adoção da dignidade da pessoa humana como valor intrínseco à confecção de um Estado de Direito Democrático.[5]
Portanto, para fins deste artigo a dignidade é característica personalíssima do ser humano, algo que só a ele pertence, que lhe é inerente.
Provenientes ao metadireito da dignidade da pessoa humana estão todos os outros direitos como o direito à vida, descrito no artigo 3º da Declaração Universal de Direitos Humanos.
Os desdobramentos do direito à vida encontram-se no artigo 25º da respectiva declaração:
1- Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.”
2- A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.”
A família é à base de uma sociedade e assim recebe um respaldo e proteção especial do Estado democrático de direito e nos cenário atual dos direitos humanos decorre do casamento ou da união estável. Na família, os pais são igualmente responsáveis, sendo iguais os direitos e deveres do homem e da mulher.
Consta também do artigo 5º da Declaração Universal de Direitos Humanos que uma existência digna não tolera a prática de torturas, penas e tratamentos degradantes.
Ainda considera-se indispensável à dignidade da pessoa humana os direitos econômicos, sociais e culturais.
Carlos Eduardo de Vasconcelos[6] nos ensina que:
Os que podem trabalhar devem assegurar, com seu trabalho e esforço, os que não podem por alguma razão válida. Previdência social é uma das modalidades de proteção à existência digna. Supõe uma responsabilidade solidária pelo bem-estar dos que não podem trabalhar.
Evidente ainda que o metadireito da dignidade da pessoa humana implica em proteção especial aos que estão situados em condição de vulnerabilidade (crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, mulheres, consumidores, índios e etc..), devendo assegurar assim a fraternidade, igualdade distributiva e políticas compensatórias.
O direito à cultura, juntamente com a proteção e livre acesso aos bens materiais e imateriais de valor cultural e a garantia de um meio ambiente saudável são outros aspectos essenciais de uma existência digna.
O acesso à justiça, o direito das pessoas em terem uma solução para o seu conflito sem a morosidade do poder judiciário também enseja em um aspecto essencial para uma vida digna.
2. O direito de acesso à justiça no âmbito nacional e internacional [arriba]
O direito de acesso à justiça ao longo da história passou por inúmeras evoluções e se complexou juntamente com a sociedade.
Assim, os conflitos que nos primórdios da história eram tratados por um soberano passaram a ser tratados pelo Estado, abandonando-se a antiga inspiração divina como fundamento para decidir, passando a responsabilidade para o Estado laico; e deixou de ser um direito formal do Estado liberal para se transformar em um direito concreto do Estado social, responsável pela concretização dos direitos humanos.
Devemos ressaltar que em que pese o direito de acesso à Justiça já constar na Constituição de 1934 (como a ação popular e assistência judiciária gratuita) e na Constituição de 1946 somente obteve e respaldo e efetividade após a promulgação da Constituição Federal de 1988 justamente em consonância com a afirmação dos direitos humanos em âmbito internacional.
As práticas políticas e jurídicas possibilitaram a universalização já jurisdição após a Constituição de 1988 que trazia um rol magnífico de direitos fundamentais e alçou o metadireito da dignidade da pessoa humana como o fundamento do estado democrático de direito.
Como exemplo podemos citar a Lei Federal nº 1.060/50 que versava sobre a assistência judiciária gratuita, mas somente obteve eficácia de fato após a Magna Carta de 1988.
Importante ainda ressaltar que direitos humanos são aqueles ligados à liberdade e à igualdade e estão positivados no plano internacional, por outro lado, os direitos fundamentais são os próprios direitos humanos positivados na Constituição Federal.
As medidas adotadas pela Constituição Federal de 1988 que possibilitaram uma maior relevância do direito de acesso à justiça foram justamente os direitos humanos já analisados neste estudo como a consagração do princípio da igualdade material (artigo 3º), além de inserir conceitos como a da assistência judiciária gratuita (artigo 5º, LXXIV) e outros direitos como o direito à informação, consultas, assistência judicial e extrajudicial; previsão de criação dos juizados especiais para julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e penais de menor potencial ofensivo (artigo 98, I); previsão de uma justiça de paz (artigo 98, II); tratamento constitucional da ação civil pública para a defesa dos direitos difusos e coletivos (art. 129, III), novos instrumentos destinados à defesa coletiva de direitos (art. 5º, LXX, LXXI) e legitimidade aos sindicatos (art. 8º, III) e sociedades associativas (art. 5º XXI) defenderem direitos coletivos e individuais; reestruturação e fortalecimento do Ministério Público (art. 127 e 129); e elevação da Defensoria Pública como instituição fundamental à função jurisdicional (art.134).
Gabriel de Lima Bedin e Fabiana Marion Spengler[7] destacam ainda:
A constitucionalização do devido processo legal (art. 5º, LIV); do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV); e do juiz natural (art. 5º, LIII). Consolidaram-se igualmente, os instrumentos processuais constitucionais do mandado de segurança, individual e coletivo, e a ação popular. A Constituição de 1988, ademais, preocupou-se com a universalização do direito ao acesso à justiça, elevando esse direito para a condição de direito fundamental (art. 5º. XXXV), bem como ao prever o direito do cidadão à devida prestação jurisdicional em um prazo razoável (art. 5º, LXXVIII) também como direito fundamental.
A questão que se impõe no presente estudo é que a preocupação e efetividade do acesso á justiça não é exclusiva do Brasil e da Constituição Federal de 1988 sendo que há legislação internacional sobre o assunto.
A própria Declaração Universal dos Direito Humanos já analisada no presente trabalho afirma em seu artigo 10º que:
toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Assim a afirmação dos direitos humanos no plano internacional esta em total consonância com o cenário atual de afirmação de acesso à justiça, sendo conceitos totalmente atrelados e indissociáveis, nesse corolário cita-se ainda como exemplo a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais em seu artigo 6º:
Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
Em consonância com a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, cita-se ainda o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que assim prevê em seu artigo 14:
Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores.
A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) também versa sobre o acesso à justiça em seu artigo 8º:
Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Deste modo, evidencia-se que os direitos humanos estão totalmente interligados com o direto de acesso à justiça, não sendo, portanto, exclusividade do legislador constitucional ou infraconstitucional brasileiro, sendo que há dispositivos em tratados internacionais que garantem o seu pleno exercício.
As organizações internacionais reconhecem o acesso à justiça como um dos mais importantes direitos humanos, sendo assim um dos instrumentos vitais das sociedades democráticas, devendo ser entendido com um direito essencial para o gozo das garantias fundamentais dos cidadãos.
Conclui-se então que o acesso à justiça é mais básico dos direitos humanos, portanto, garantia fundamental para o exercício dos demais direitos e alicerce para o cenário atual da democracia contemporânea.
O direito de acesso à justiça é um direito humano e assim deve-se de adequar à realidade atual de sobreposição desses direitos aos demais, assim defende-se os métodos alternativos de conflito como a conciliação e a mediação como manifestação da dignidade ao acesso à justiça.
3. A Mediação e a Conciliação de Conflitos [arriba]
A mediação de conflitos pode ser definida como a intervenção de um terceiro imparcial junto às partes nele envolvidas em busca a uma solução construída pelas próprias partes.
Trata-se de um processo, cujo qual, a terceira pessoa age no sentido de encorajar e facilitar a resolução do conflito sem prescrever uma solução, devendo então ser uma intervenção imparcial e fundamental para unir as partes em uma conversação proveitosa.
A solução definitiva para o conflito pode ou não ser encontrada durante o próprio processo de mediação, mas o que vale é que as partes tenham avançado rumo a esta solução após encerrada a intervenção do terceiro.
Trata-se então de ver o conflito através de percepções diferentes em prol de facilitar o acesso à justiça.
A conciliação de conflitos se refere a métodos que buscam alcançar um acordo entre as partes com relação ao objeto do conflito.
Luciane Moessa de Souza[8] cita as principais diferenças entre a conciliação e a mediação:
a)o fato de que os critérios discutidos entre o conciliador e as partes para tal fim, normalmente, se resumem aos parâmetros legais, não havendo um aprofundamento quanto às causas do conflito; b) o fato de que se espera do conciliador uma postura mais ativa na condição das partes a um acordo (ao passo que o mediador deve ser mero facilitador do diálogo).
O anteprojeto do novo Código de Processo Civil Brasileiro também prevê a mediação e a conciliação como métodos alternativos de conflito nos seus artigos 134 a 137 e trouxe a diferença de conciliação e mediação no seu artigo 135:
A realização de conciliação ou mediação deverá ser estimulada por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
§1º O conciliador poderá sugerir soluções para o litígio.
§2º O mediador auxiliará as pessoas em conflito a identificarem, por si mesmas, alternativas de benefício mútuo.
Luciane Moessa de Souza[9] assevera ainda que:
Cabe registrar que nem a mediação nem a conciliação excluem a necessidade ou utilidade de esclarecimento das controvérsias fáticas, o que, aliás, pode ser extremamente útil para a solução consensual do conflito.
Deste modo o presente trabalho entende que é fundamental a estimulação do poder judiciário e a participação efetiva de entes púbicos nos procedimentos envolvendo métodos alternativos de conflito como a Mediação e a Conciliação, de modo que a reconstrução dos direitos humanos visa justamente à realização comum da população que busca uma forma mais direta na solução dos litígios.
4. A Mediação e a Conciliação sob o prisma da dignidade da pessoa humana como acesso digno à Justiça [arriba]
O maior problema da atualidade no que se refere ao acesso à justiça é a obstrução de suas vias de acesso, o que distância a população do poder judiciário.
O acesso à justiça é o cerne da dignidade da pessoa humana, além de estar previsto em diversas declarações de direitos humanos e especialmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 como resposta da comunidade internacional aos horrores oriundos no nazismo e fascismo.
A obstrução das vias de acesso à Justiça se dão em virtude da burocracia e lentidão advinda da justiça, o que causa descrença na população e potencializa os conflitos.
A afirmação dos direitos humanos em âmbito internacional marcou o crescimento do acesso à justiça, pois, permitiu que diferentes grupos sociais buscassem meios eficazes de tutela para a solução dos seus conflitos.
Com a ascensão do princípio da igualdade material, os mecanismos de acesso à justiça não podem mais estar a mercê do lema que previa que todas as pessoas eram formalmente iguais e criar seus mecanismos sem preocupação com sua eficiência prática ou efetiva.
Assim a dicotomia do vencedor-vencido nas lides processuais causa crise nas prestações jurisdicionais e busca ferozmente por solução dos megaconflitos que hoje se expandem pela sociedade massificada e competitiva, mostrando-se que a solução presente é deficiente.
Apenas solucionar a crise jurídica não condiz com o atual cenário dos direitos humanos onde a jurisdição não pode mais se restringir ao clássico dizer do direito, ou seja, não basta à garantia do acesso à justiça, mas sim faz-se necessário que essa liberdade pública se agregue ao direito a um provimento jurisdicional idôneo a produzir os efeitos práticos a que ele se preordena.
Os direitos humanos norteados pelo metadireito da dignidade da pessoa humana tendem a acabar com abismo do mundo do dever ser do acesso à justiça ao mundo efetivo e real do ser.
O acesso à justiça figura entre os direitos e garantias fundamentais da Constituição brasileira e neste passo, os métodos alternativos de conflito como a mediação e a conciliação tratam-se da melhor resposta para as partes, sendo que a solução consensual antes da demanda judicial “desafoga” o poder judiciário e colabora com a agilidade processual.
Evidente que não se trata de uma mediação ou conciliação obrigatória, sendo que isso contraria a dignidade da pessoa humana, sendo a voluntariedade desses procedimentos uma característica que jamais poderá ser comprometida.
Os direitos humanos surgem justamente para educar a população que no que concerne ao acesso à justiça é necessário implementar uma nova forma de política pública sendo que o excesso de demandas judiciárias atentam a dignidade daqueles que embora busquem uma solução ao judiciário, em virtude da morosidade acabam por não encontrar solução ao seu litígio.
Trata-se de racionalizar a prestação jurisdicional e evitar a procura desnecessária pelo poder judiciário, adequando-se assim dentro do binômio necessidade-utilidade uma racionalização da prestação jurisdicional e consequentemente acaba por evitar a procura desnecessária pelo poder judiciário.
Assim trata-se de uma afirmação dos direitos humanos no próprio interesse de agir, adequando o cenário atual do neoconstitucionalismo ao regular exercício do direito de ação e às novas concepções do Estado Democrático de Direito.
Porém, necessário se faz que o próprio poder judiciário se conscientize que em prol de respeitar a dignidade das pessoas que estão em um conflito que por muitas vezes não será necessária a sua intervenção.
Não se trata de negar o acesso à justiça previsto no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, mas sim o entendimento advindo com a afirmação dos direitos humanos é de que o fato de um jurisdicionado solicitar a prestação estatal não implica com que o Poder Judiciário deva sempre e necessariamente ofertar uma resposta de índole impositiva, limitando-se a aplicar a lei ao caso concreto.
Nesse diapasão é perfeitamente possível que o juiz entenda que as partes precisam ser submetidas a uma instância conciliatória, pacificadora, antes de uma decisão técnica.
É intrínseco a dignidade da pessoa humana que a maior preocupação do juiz deve ser com a efetiva pacificação do litígio, e não apenas, com a prolação de uma sentença, como forma de resposta técnico-jurídica à provocação do jurisdicionado.
O professor Elio Resta[10] nos ensina que a conciliação tem o poder de “desmanchar” a lide, resultado este que na maioria dos casos não é alcançado com a intervenção forçada do Poder Judiciário.
Sob o prisma dos direitos humanos essa nova dimensão do poder judiciário que possui a mediação e a conciliação como métodos alternativos de conflito revela toda a grandeza desta nobre função do Estado.
Deste modo, efetividade não quer dizer ocupar espaços e agir sempre, mas sim intervir somente quando necessário, como ultima racio e em prol de reequilibrar as relações sociais, envolvendo os cidadãos no processo de tomada de decisão e resolução do conflito como manifestação da dignidade da pessoa humana.
Corroborando para essas assertivas Luis Alberto Warat [11]explica que o objetivo da mediação não é somente o acordo, mas a mudança das pessoas e seus sentimentos. Somente desta forma é possível transformar e redimensionar o conflito.
Sob o prisma dos direitos humanos os conflitos nunca desparecem por completo; apenas se transformam e necessitam de gerenciamento e monitoramento a fim de que sejam mantidos sob controle.
Adequar o acesso à justiça com o metadireito da dignidade da pessoa humana é essencialmente necessário nos dias atuais, assim é mister amadurecer, diante da realidade brasileira, formas eficazes de fazer essa filtragem de modo a obter uma solução que se mostre equilibrada entre os princípios do próprio acesso à justiça e da duração razoável do processo. .
Assim conclui-se que a mediação e a conciliação são instrumentos extraordinários que possibilitam a compreensão do conflito a partir da participação efetiva dos envolvidos.
Necessário de faz a implantação de um sistema de acesso à justiça através da mediação e conciliação que viabilize todas as garantias constitucionais advindas da reconstrução dos direitos humanos norteados pelo metadireito da dignidade da pessoa humana, assim tornando-se equivalente ao processo judicial, enquanto forma legítima de solução de conflitos no Estado Democrático de Direito.
Conclusão [arriba]
A reconstrução dos direitos humanos oriunda das atrocidades ocorridas nas grandes guerras mundiais deram ensejo a uma maior proteção a pessoa humana contra as violações de seus direitos tidos como fundamentais.
No Brasil, o direito de acesso à justiça foi consolidado na Constituição federal de 1988 como um direito fundamental, ou seja, um direito humano positivado no ordenamento jurídico e assim deve possibilitar aos indivíduos a concretização de seus direitos.
A dignidade da pessoa humana no direito contemporâneo tem a função de guiar todos os outros direitos, portanto, não há de se falar em dignidade quando o acesso à justiça queda-se ineficaz de tutelar e solucionar os conflitos das partes.
Necessário se faz uma política de racionalização na prestação jurisdicional o que torna-se perfeitamente compatível com os métodos alternativos de conflito como a mediação e a conciliação.
Neste diapasão entende-se que sendo o acesso à justiça um dos mais importantes direitos humanos, a mediação e a conciliação resultam na manifestação da dignidade desse direito.
A implementação dessas ideias permitirá um enorme avanço no processo de desenvolvimento e efetividade do direito humano de um acesso digno à justiça.
Referências [arriba]
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ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
ARENDT, Hannah. A Condição humana. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
SPENGLER, Fabiana Marion; BEDIN, Gilmar Antonio (orgs.). Acesso à justiça, direitos humanos & mediação. Curitiba: Multideia, 2013.
BEDIN, Gabriel de Lima; SPENGLER, Fabiana Marion. O direito de acesso à justiça como concretização dos direitos humanos. In SPENGLER, Fabiana Marion; BEDIN, Gilmar Antonio (orgs.). Acesso à justiça, direitos humanos & mediação. Curitiba: Multideia, 2013.
PIOVESAN, Flávia. Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência: Inovações, alcance e impacto. In FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, George Salomão; LEITE, Glauber Salomão; LEITE, Glauco Salomão (coords). Manual dos direitos da pessoa com deficiência. São Paulo: Saraiva. 2012.
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. Guarulhos: Max Limonad, 1998. p. 137.
RESTA, Eligio. O direito fraterno. Trad. Sandra Vial. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004.
VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 2.ed. São Paulo: Método, 2008.
WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001.
Notas [arriba]
[1] Mestranda em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto. Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Barretos (FB). Conciliadora e Mediadora do TJ-SP. Docente da Faculdade Barretos. Advogada.
[2] Mestre em Direito Constitucional pelo Centro de Pós Graduação da ITE/Bauru-SP; Advogada; Professora de Direito na Faculdade Barretos; Conciliadora e Mediadora do TJ-SP.
[3] VASCONCELOS, 2008, p. 88.
[4] BARROSO, 2010, p.370-371.
[5] ALARCÓN, 2004, p.25-26.
[6] VASCONCELOS (2008, p. 88).
[7] BEDIN, SPENGLER (2013, p.105).
[8] SOUZA (2013, p. 206).
[9] SOUZA (2013, p. 207).
[10] RESTA (2004, p.119).
[11] WARAT (2001, p.31).
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