JURÍDICO LATAM
Doctrina
Título:Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental
Autor:Winter de Carvalho, Délton
País:
Argentina
Publicación:Revista Jurídica de Daños y Contratos - Número 3 - Julio 2012
Fecha:18-07-2012 Cita:IJ-LXIV-912
Índice Voces Relacionados
I. Da Sociedade Industrial à Sociedade de Risco
II. A Responsabilidade Civil por Dano Ambiental Futuro
III. A Teoria do Risco Abstrato
IV. Considerações Finais e Quadro Sinóptico Comparativo

Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental

Délton Winter de Carvalho*

I. Da Sociedade Industrial à Sociedade de Risco [arriba] 

A fim de enfrentar a questão de como o Direito Ambiental deve assimilar os riscos ecológicos, juridicizando-os como riscos ambientais, tem-se que traçar um paralelo necessário entre a evolução social e a Teoria da Imputação. Este paralelo entre a Sociedade Contemporânea e a atribuição da responsabilidade civil consiste no ponto de partida para a descrição acerca da maneira pela qual os riscos e os danos ecológicos são assimilados pelo Direito Ambiental.

As mutações havidas na Sociedade demonstram uma dinâmica nas estruturas sociais que, num primeiro momento, sob uma fundação social burguesa, formaram um Direito construído sob as tradições e institutos jurídicos do direito romano fortemente influenciado pela tradição canônica medieval. As revoluções burguesas deram origem a uma Sociedade cujo Direito estruturava-se no usus modernus do direito romano, formando o direito privado moderno em diferenciação ao Direito da Idade Média.

Neste primeiro momento histórico da caracterização moderna da responsabilidade civil, esta consiste num instituto jurídico produto de um Direito oriundo da sociedade burguesa (pré-industrial) e seus valores. A forte influência canônica exercida sobre o direito privado na modernidade decorre do processo aglutinador que a igreja católica exerceu sobre o direito europeu comum a partir da queda e ruína do império romano, que até então mantinha a unidade européia. Após as revoluções burguesas, operou-se o resgate dos institutos do Direito Romano, sob a influência de uma canonística medieval, do jusracionalismo e do liberalismo econômico. No sistema romano-ocidental, o surgimento da lex aquilia de damno (instituto proveniente do séc. III a. C.) e a formação de um Corpus Juris Civilis, oito séculos após, serviu de sustentação para constituição da culpa como princípio geral para a aplicação de responsabilidade civil, no que se denomina de responsabilidade civil subjetiva.

Foi a partir do jusracionalismo, emanado pela formação da escola de direito natural dos séculos XVII e XVIII, que se estabeleceu a culpa como pressuposto da responsabilidade civil.[1] Tal compreensão demonstra-se como um verdadeiro reflexo da estrutura social vigente naquele momento, com as integrações de um direito individualista e exclusivista e as novas estruturas econômicas que acompanhavam o surgimento do liberalismo.

Contudo, a massificação das relações sociais surgidas a partir da revolução industrial apresenta a necessidade de uma reorientação integrada entre Sociedade, Direito e Economia. A partir do século XIX, o surgimento da Sociedade Industrial, dividida em classes sociais, dá forma à novas situações sociais a serem submetidas ao Direito, à Política e à Economia. Isto é, enquanto que no Direito há a formação de uma ciência jurídica, sistematicamente organizada e representada pelas Grandes Codificações do séc. XIX; a Economia opera sob um modelo capitalista de forma industrial; e a Política inicia as construções do Wellfare State.

A produção industrial massificada, assim como o surgimento de novas tecnologias proporcionaram novas situações de danos que não podiam ser amparadas pelo conceito tradicional de culpa. A exposição das pessoas aos riscos e perigos oriundos das inovações tecnológicas e dos processos produtivos característicos à revolução industrial afastava a possibilidade de comprovação, pela vítima, da culpa do agente na grande maioria dos casos de danos que surgiam em decorrência das estruturas industriais. Com o desenvolvimento do maquinismo houve a proliferação dos acidentes do trabalho que, pela própria tecnologia das máquinas utilizadas na produção industrial daquele período, ocasionavam explosões e constantes danos à saúde e à integridade física dos empregados. O aumento da população, dos meios de transporte e da tecnologia em geral ocasionou a proliferações das situações de exposição aos riscos e danos na Sociedade Industrial. Nestes casos, a necessidade de comprovação da culpa do agente pela vítima inviabilizava a incidência e aplicação da responsabilidade civil para a reparação ou indenização dos danos, uma vez que se tratavam de lesões decorrentes do surgimento do maquinismo e da sua utilização econômica.

Neste momento histórico, tem-se uma Sociedade fundada em classes sociais, com a distribuição de riquezas e dos riscos mantendo-se restritos a determinadas classes sociais (os empregados das fábricas, os proprietários de terras pelas quais passavam as estradas de ferro e constantemente tinham suas plantações queimadas pelas brasas provenientes dos trêns, entre outras situações de risco). Assim, os riscos deste período eram estratificados, isto é, atingiam classes específicas e determinadas, beneficiando outras. A visibilidade e a concretude dos riscos desta “primeira modernidade”[2] decorrem da previsibilidade das relações de causa e conseqüência que marca os riscos inerentes ao processo industrial. Neste sentido, é irrefutável a constatação de Ulrich Beck, para quem, neste período, a pobreza atraía abundantemente os riscos, contrastando com a riqueza que é capaz de “adquirir” a segurança e a libertação do risco. Enquanto os riscos acumulavam-se nas classes inferiores, a riqueza aderia às classes superiores.[3]

A partir da segunda metade do século XIX, a responsabilidade civil objetiva despontou como espécie de responsabilidade civil cuja incidência prescinde da comprovação da culpa pelo agente, seja em casos previstos em lei ou naqueles em que a atividade desenvolvida pelo agente produz riscos. A responsabilidade civil fundada na Teoria do Risco trata-se de uma resposta do Direito às mutações havidas na Sociedade em decorrência processos de industrialização e desenvolvimento tecnológico. Trata-se de entendimento unânime na doutrina o fato de que a principal razão para o surgimento da responsabilidade civil objetiva foi a Revolução Industrial.[4]

A Teoria do Risco, utilizada pelo Direito como critério para a incidência da responsabilidade civil sem culpa, é dogmaticamente construída e sedimentada segundo a compreensão de que a atribuição da responsabilidade civil independe da prova de culpa do agente. Portanto, quando o agente causador do dano exerça atividade prevista em lei ou que tenha em sua natureza a produção de riscos, quando houver a configuração da relação de causa e efeito entre a atividade arriscada e o dano, a responsabilidade civil é aplicada objetivamente (sem a avaliação dos elementos subjetivos ou interiores ao sujeito, tais como a negligência, a imprudência, a imperícia ou o dolo).

A Teoria do Risco pode ser sintetizada no fato de que “todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano.”[5] Com isso, para a doutrina clássica a Teoria do Risco configura-se como justificação para a atribuição de responsabilização civil sem culpa (objetiva), porém necessitando sempre da comprovação de 1. conduta (ação ou omissão), 2. dano atual e certo e 3. nexo causal.

A passagem desta Teoria do Risco (concreto) para uma Teoria do Risco abstrato (proveniente das teorias sociais de autores tais como Niklas Luhmann, Raffaele De Giorgi e Ulrich Beck) decorre da própria mutação da Sociedade, ou seja, da transição de uma Sociedade Industrial para uma Sociedade de Risco, na qual as indústrias química e atômica demarcam uma produção de riscos globais, invisíveis e de conseqüências ambientais imprevisíveis. Enquanto os riscos da Sociedade Industrial são concretos (fumo, trânsito, utilização industrial de máquinas de corte, etc), os riscos inerentes à Sociedade de Risco são demarcados por sua invisibilidade, globalidade e imprevisibilidade.

Os riscos invisíveis, surgidos em acréscimo aos riscos concretos, apresentam uma nova face, isto é, são imperceptíveis aos sentidos humanos (visão, olfato, tato, audição e gustação).[6] Em que pese o risco tratar-se de uma construção social, esta nova formatação social ressalta a importância do futuro, na qual deve haver sempre a avaliação das conseqüências futuras das atividades humanas.

Desde meados do século XX pode ser constatado que as aquisições evolutivas e as instituições sociais da Sociedade Industrial enfrentam a possibilidade, sem precedentes históricos, da destruição da vida no planeta, no que é descrito segundo Ulrich Beck como uma modernização reflexiva.[7] Nesta, a Sociedade passa a ter de encarar e lidar com os riscos que esta própria produz. A Sociedade de Risco demarca a passagem de uma primeira modernidade (modernidade simples)[8] para uma modernidade reflexiva, ou seja, uma passagem de uma modernidade fundada numa racionalidade cientificista, no Estado nação, na previsibilidade e calculabilidade dos riscos e perigos da técnica, na luta de classes e na segurança, em direção a uma modernidade em que o êxito do capitalismo industrial gera uma auto-confrontação da sociedade industrial com suas próprias conseqüências: o surgimento de riscos globais, imprevisíveis, incalculáveis, invisíveis, transtemporais, tais como é o caso paradigmático de Chernobyl.

A passagem da modernização simples para a modernização reflexiva, ou de uma Sociedade Industrial para uma Sociedade de Risco, demarca a passagem de um modelo para outra forma social. Enquanto na modernidade simples há “primeiro a desincorporação e, segundo a reincorporação das formas sociais tradicionais pelas formas sociais industriais”, a “modernização reflexiva significa primeiro a desincorporação e, segundo, a reincorporação das formas sociais industriais para outra modernidade.”[9] Portanto, a Sociedade de Risco distribui riscos e não mais riquezas como fazia a Sociedade Industrial. A Sociedade de Risco enfrenta a formação de riscos socialmente produzidos, sem possibilidade de serem delimitados espacial, temporal e socialmente.[10]

Eis a relevância da transição da Teoria do Risco concreto para a Teoria do Risco abstrato, como reação do Direito às alterações estruturais havidas na Sociedade, que, em acréscimo aos já existentes riscos concretos, faz surgir os riscos abstratos. Diante da proliferação dos riscos concretos pela Sociedade Industrial, e do surgimento de riscos imperceptíveis, invisíveis e imprevisíveis na Sociedade de Risco, tem-se o império principiológico da prevenção “lato sensu” (prevenção e precaução) como palavra de ordem para evitar a concretização de danos futuros. Em que pese haver na Sociedade Industrial uma certa previsibilidade e calculabilidade das conseqüências negativas da industrialização e do maquinismo (riscos concretos), o Direito nesta Sociedade produz a Teoria do Risco (concreto) que tão-somente desonera a vítima da prova da culpa do agente, mas condiciona a reparação ou indenização à existência de um dano atual.

A Teoria do Risco (concreto), portanto, mostra-se como fundamento para a atribuição da responsabilidade civil independentemente de culpa (objetiva), mas que condiciona a incidência da responsabilidade civil à concretização de um dano. Já na Sociedade de Risco, o sentido de risco deve ser compreendido como “uma forma de constituição de formas para a representação do futuro e para produzir vínculos com o futuro” (De Giorgi)[11]. Em outras palavras, o risco consiste na comunicação voltada para a previsão e controle das conseqüências futuras da ação humana[12] (Beck).

O presente contexto social impõe a necessidade de juridicização do risco, isto é, a necessidade de auto-irritação do Direito, em suas estruturas tradicionais, para assimilar (investigação, avaliação e gestão) os riscos e perigos ecológicos. A partir das mudanças nas estruturas sociais desencadeadas pela utilização massificada da ciência e da técnica para a produção industrial, tem-se a exposição dos processos de tomada de decisão jurídica às situações de risco e perigo, sem que tenha havido a concretização de um dano previamente.

Os riscos e os perigos ecológicos demonstram uma complexidade e especificidade diretamente associada ao ambiente natural. Estes riscos apresentam uma complexidade potencializada (eco-complexidade) no que diz respeito à identificação dos agressores, à determinação temporal dos efeitos da degradação, às dimensões de seus efeitos, ao número de atingidos (gerações futuras) e, sobretudo, às condições de atribuição das relações de causalidade.[13] Assim, pode ser dito que as questões envolvendo os riscos, perigos e danos ambientais são, em muitos casos, demarcados por “relações causais hipercomplexas.”[14]

A formação de uma comunicação acerca do risco começou a ser aplicada a partir da existência de sua consciência no antigo comércio marítimo oriental e na conformação de um direito comercial marítimo na Idade Média para descrever a incerteza acerca do futuro.[15] O desenvolvimento do sentido de risco, em oposição à noção de segurança (risco/segurança), é suplantado a partir da consciência de que na Sociedade nenhuma ação é precisamente segura. Por esta razão, o sentido atribuído ao risco decorre de sua distinção à noção de perigo (risco/perigo).[16] O risco consiste nas conseqüências indesejadas e danos futuros decorrentes dos processos de tomada de decisão, havendo uma certa possibilidade de controle. Assim, o risco vincula-se às decisões tomadas no presente que levam em consideração o futuro, consistindo na face construtiva da distinção risco/perigo. A formação de uma comunicação do risco é capaz de demonstrar que as decisões vinculam o tempo, ainda que não se possa conhecer suficientemente o futuro, nem mesmo o futuro produzido pelas próprias decisões do sistema. A comunicação do risco consiste exatamente na comunicação e decisões sobre as incertezas sobre as conseqüências futuras das decisões presentes. O risco consiste na descrição acerca das frustrações pelo próprio agente.

Já o perigo detém o sentido de descrever situações em que as conseqüências indesejadas são provenientes do ambiente (externas ao sistema observador). Trata-se da perspectiva da vítima. Em outras palavras, a noção atribuída às situações de perigo parte da perspectiva externa ao sistema observador, lhe sendo mais escasso o acesso aos conhecimentos que permitiriam o controle das conseqüências futuras prejudiciais. As catástrofes naturais, bem como os fenômenos meteorológicos consistem em exemplos, uma vez que suas conseqüências decorrem de eventos exteriores à Sociedade.

Em que pese a diferença entre o risco e o perigo cingir-se à perspectiva da observação (interno ao sistema no caso do risco e externo para o perigo), tem-se que o que é perigo para um observador (vítima) é risco para outro (agente). Com o maior controle do homem sobre as condições da vida, há uma crescente transformação de perigos em riscos.[17] Pode ser facilmente percebido que na era pós-industrial inúmeras situações de perigo convertem-se em situações de risco (intervenções do homem na natureza a partir do surgimento da biotecnologia, por exemplo), bem como surgem novas espécies de risco (riscos invisíveis oriundos da utilização de energia atômica, biotecnologia, novas tecnologias em geral e da indústria química).

A comunicação do risco é aprofundada a partir da distinção probabilidade/improbabilidade, como distinção subseqüente à forma risco/perigo. Em razão da transição de uma Sociedade Industrial para uma forma Pós-Industrial, constata-se a passagem de uma análise determinística para uma análise probabilística de risco[18], na qual as relações causais e a concretude lógica entre os riscos e os danos é suplantada por situações risco demarcados pelas incertezas científicas, às quais somente fazem-se possíveis juízos de probabilidade.

A inserção do futuro na reflexividade dos processos de decisão jurídica impõe-se através da comunicação do risco no Direito, exigindo deste não apenas uma noção restrita e dogmática ao risco, cuja função (mais repressiva do que preventiva) é a de atribuir a responsabilização civil sem a necessidade de provar a culpa para a condenação daquele que ocasiona um dano ambiental. A formação de uma nova noção ao risco detém, principalmente, a função de dar condições estruturais para que o Direito produza processos decisivos que, para investigar, avaliar e gerir os riscos ambientais, se antecipem a ocorrência dos danos ambientais.

Diante de tais pressupostos, pode ser observada a importância do Direito acompanhar as mutações estruturais havidas na transição da Sociedade Industrial para uma Sociedade de Risco (de natureza pós-industrial), em que, uma Teoria do Risco abstrato atua como condição de possibilidade da responsabilidade civil ser não apenas um instrumento de reparação de danos, mas também de assimilação dos riscos ambientais (investigação, avaliação e gestão). As mutações havidas na Sociedade, que lhe caracterizam como um sistema produtor de riscos abstratos, globais e invisíveis, passam a ocasionar “ressonâncias” no Direito, produzindo uma reformulação da Teoria do Risco e da responsabilidade civil em matéria ambiental. Assim, à responsabilidade civil objetiva por danos ambientais acresce-se a importância do surgimento e da utilização da responsabilidade civil sem dano (Teoria do Risco abstrato), como resposta do Direito Ambiental às novas formas de riscos produzidos na Sociedade.

A responsabilidade civil por danos ambientais tem sua fundamentação legal genérica nos arts. 14, parágrafo primeiro, da Lei n. 6.938/81, e 225 da Constituição Federal. Existem, ainda, previsões normativas específicas acerca da responsabilidade civil em atividades determinadas tais como mineração, Código Florestal, nuclear, agrotóxicos, entre outros. A responsabilização do poluidor, independentemente da comprovação de sua culpa, impõe a aplicação objetiva da responsabilidade civil em casos de danos ambientais como manifestação imediata dos Princípios do Poluidor-Pagador (“quem contamina, paga”) e da Prevenção.

A estrutura da responsabilidade civil para tutela do meio ambiente se remete ao tratamento das conseqüências dos processos de industrialização e, conseqüentemente, à Teoria do Risco concreto. A responsabilidade civil objetiva tem como sua principal característica estrutural a possibilidade de atribuição da obrigação de reparar ou indenizar os danos causados sem a necessidade de comprovação de culpa na conduta que ocasionou a lesão. A imposição da responsabilidade civil objetiva aos danos ambientais estabelece a necessidade de comprovação da conduta (ação ou omissão), dano e nexo de causalidade.

A aplicação objetiva da responsabilidade civil em caso de danos ambientais não se limita, contudo, às atividades potencialmente poluidoras (atividades de risco), incidindo sobre qualquer atividade que, direta ou indiretamente, ocasione degradações ao meio ambiente em razão de sua previsão normativa expressa (art. 14, parágrafo primeiro, da Lei n. 6.938/81). No entanto, a estrutura dogmática da responsabilidade civil por danos ambientais funda-se na Teoria do Risco concreto, o que em outras palavras significa, a exigência da comprovação de um dano concreto ao meio ambiente para a atribuição da responsabilização civil ao seu causador. Conforme a contextualização evolutiva da Sociedade previamente enfrentada, pode ser constatado que a objetivação da responsabilidade civil trata-se de uma resposta do Direito aos ruídos produzidos pela revolução industrial e tecnológica havida na modernidade simples. A Sociedade de Risco exige, ao seu turno, a formação de elementos para a incidência da responsabilidade civil em situações de risco, a fim de evitar a ocorrência de degradações ambientais.

II. A Responsabilidade Civil por Dano Ambiental Futuro [arriba] 

Portanto, a responsabilidade civil objetiva, consubstanciada na Teoria do Risco concreto, consiste em ressonância do sistema jurídico à Sociedade Industrial e, por isso, exige a ocorrência de dano ambiental para o desencadeamento do preceito contido no parágrafo primeiro, do art. 14 da Lei n. 6.938/81. A Sociedade Industrial produz riscos de natureza específica, ou seja, são riscos que, além de serem perceptíveis, apresentam uma certa visibilidade no que tange a relação de causa e conseqüência. Segundo a esta estrutura da responsabilidade civil, as atividades arriscadas são passíveis de reparação civil, quando os riscos de sua atividade vierem a se concretizar em danos ambientais.

No entanto, a passagem para a Sociedade de Risco é demarcada pelo surgimento de riscos e perigos de uma nova dimensão: globais, de conseqüências imprevisíveis e imperceptíveis aos sentidos humanos. A explosão de reatores nucleares em Chernobyl, a chuva ácida, crescimento populacional, o aquecimento global são apenas alguns exemplos de sintomas da Sociedade de Risco, para a qual não se pode esperar a ocorrência do dano para se tomar uma decisão em razão da irreversibilidade dos danos desta natureza. Por esta razão, o Princípio utilizado pelo Direito para lidar com a Sociedade de Risco consiste no da Precaução, cujo sentido prevê o dever da cautela como orientação aos processos de tomada de decisão que digam respeito a atividades e tecnologias cujas conseqüências estejam marcadas pela incerteza científica.

A Sociedade atual observa a produção tanto dos riscos oriundos do maquinismo e da revolução industrial (riscos concretos, de natureza industrial), quanto de novos riscos (de natureza pós-industrial) mais abstratos e complexos. Por esta exata razão, não apenas é necessária a utilização da responsabilidade civil como instrumento de reparação de danos (função corretiva), como ocorre em sua acepção clássica (Teoria do Risco Concreto), mas também como elemento jurídico de gestão de riscos ecológicos (Teoria do Risco Abstrato), tendo incidência anterior à ocorrência e efetivação dos danos ambientais, impondo o cumprimento de medidas preventivas ao agente (obrigações de fazer e não fazer).

2.1. A Caracterização do Dano Ambiental Futuro:

Não obstante a existência de previsões doutrinárias ou mesmo legais, o dano ambiental, em sua dimensão futura, carece de descrições caracterizadoras, bem como de uma teoria jurídica de base que lhe dê sustentação, aplicabilidade e operacionalidade. Alguns autores chegam a mencionar a importância da avaliação das dimensões futuras dos danos causados ao meio ambiente, citando-se, exemplificativamente, Álvaro Valery Mirra[19], Salvatore Patti[20], Fábio Lucarelli[21], Carlos Miguel Perales [22], Annelise Monteiro Steigleder,[23] dentre outros exemplos doutrinários. Escassas, no entanto, as descrições teóricas acerca dos elementos configuradores do dano ambiental futuro e da respectiva responsabilidade civil incidente sobre a espécie.

Os Tribunais pátrios têm demonstrado um aprisionamento da dogmática jurídica em geral ao horizonte do passado (certeza) e do presente (atualidade do dano), com limitações estruturais significativas e uma hipertrofia em produzir observações e decisões jurídicas que levem em consideração as dimensões futuras dos danos ambientais.

Estas limitações estruturais do Direito são pertinentemente descritas por Paulo de Bessa Antunes:

Os Tribunais brasileiros têm tido uma compreensão extremamente restritiva do conceito de dano ambiental e, por conseqüência, do bem jurídico meio ambiente. Em geral, eles têm adotado uma postura que exige o dano real e não apenas o dano potencial. Parece-me que não tem sido aplicado e observado o princípio da cautela em matéria ambiental que, como se sabe, é um dos princípios do Direito Ambiental. Ao exigirem que o autor faça prova do dano real, os Tribunais, de fato, impõem todo o ônus da prova judicial para os autores, enfraquecendo a responsabilidade objetiva do poluidor. Ademais, é importante que se observe que o Direito Ambiental exerce a sua função protetora, também em relação às futuras gerações, resultado do conceito de eqüidade intergeracional que é um de seus principais aspectos. Ora, o dano futuro, muitas vezes, não pode ser provado de plano, vindo a materializar-se, somente, com o decorrer do tempo.[24]

Procede a crítica, uma vez que as observações tradicionais do Direito em matéria de responsabilidade civil refutam a reparabilidade do dano hipotético ou eventual, exigindo a certeza e atualidade do dano. Neste sentido, não são incomuns decisões judiciais que, diante da inexistência de um dano atual e concreto, afastam a reparabilidade ou mesmo a imposição de obrigações jurídicas (medidas preventivas) sob a descrição de tratar-se de “dano hipotético”, conforme demonstra o julgado abaixo:

Ementa: Agravo. Suspensão dos efeitos de liminar em Ação Civil Pública. Adição de insumo à gasolina. Metil Terc Butil Éter (MTBE). Álcool Etílico Anidro. Lei 8723/93. Questões de Direito Estrito. Inadequação da via. Lesão às categorias jurídicas tuteláveis. Ausência de comprovação.

1. Indemonstrado o risco às categorias jurídicas contempladas na legislação de regência, as questões de direito estrito devem permanecer jungidas ao mecanismo processual ordinário.

2. Não há comprovação de malefícios causados à saúde ou ao meio ambiente, pela mistura MTBE; tampouco lesão à ordem, já que a normalidade e o regular exercício das funções da Administração encontram-se resguardadas; ou à economia nacional, quando a argumentação para sua defesa baseia-se exclusivamente em dano hipotético.

3. Agravo improvido, por maioria. (Agravo na suspensão de execução de liminar n. 199904010092336, TRF Quarta Região, Plenário, rel. Juíza Ellen Gracie Northfleet, j. 28.04.99, DJ. 19.05.99)

Esta concepção, no entanto, parece-nos demasiadamente restritiva quando aplicada em matéria jurídico-ambiental, em virtude da transtemporalidade e da imprevisibilidade que marca a problemática ambiental, especialmente, se observada a partir da Sociedade de Risco. A irreversibilidade danos ambientais enseja a institucionalização da Prevenção e da Precaução como pilares lógico-ambientais, bem como a evolução tecno-científica e sua disseminação massiva na vida cotidiana potencializam a produção de riscos invisíveis ou abstratos (imperceptíveis aos sentidos humanos) na Sociedade atual[25]; justificando a necessidade de assimilação dos riscos ambientais pelo Direito por meio do instituto da responsabilidade civil. Dessa forma, é ínsito à proteção jurídica do meio ambiente, a investigação, a avaliação e a gestão dos riscos ambientais gerados a partir de determinadas atividades, reduzindo a probabilidade de sua concretização em danos futuros, bem como oportunizando a minimização das conseqüências futuras das degradações ambientais já ocorridas.

A justificação normativa ao tratamento dano ambiental futuro no Direito brasileiro se consubstancia no texto do art. 225 da Constituição Federal brasileira, cujos termos prevêem tanto as presentes quanto às futuras gerações como titulares do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por isso, a proteção das futuras gerações pelo Direito Ambiental pode ser potencializada ou mesmo objeto de efetivação por meio da noção de dano ambiental futuro, como instrumento jurídico de investigação, avaliação e gestão dos riscos ambientais.

Nesta senda, o dano ambiental futuro consiste em operacionalização pragmático-sistêmica[26] do Princípio da Eqüidade Intergeracional e dos Princípios da Precaução e Prevenção, avaliando-se não apenas as dimensões temporais do passado ou presente, mas inserindo nos processos de decisão jurídica as condições semânticas para a observação e formação de vínculos com o horizonte futuro.

De maneira mais explícita, a existência e a necessidade de avaliação do dano futuro em matéria ambiental, fazem-se as recomendações e conclusões da comissão constituída pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA[27] ao estabelecer que:

É necessário um novo regime de responsabilidade civil que estabeleça tanto os danos previsíveis quanto os imprevisíveis, assim como os danos presentes e futuros. Deveriam ser indenizados igualmente o dano emergente e o lucro cessante, bem como o dano moral. (grifei)

A caracterização do dano ambiental futuro faz-se possível a partir de uma Nova Teoria do Risco (Teoria do Risco Abstrato) em diferenciação ao seu sentido dogmático clássico (Teoria do Risco Concreto). Para a Teoria do Risco (Concreto), exige-se a ocorrência de um dano para a atribuição de responsabilidade civil, prescindindo apenas da comprovação de culpa para a responsabilização o agente causador de um dano já configurado. Na verdade, as mutações sociais ocorridas nos últimos séculos, que redundam numa Sociedade caracterizada pela produção de riscos globais[28], exigem do Direito, cada vez mais, processos de tomadas de decisão em contextos de risco (expectativa de danos futuros, fundada sobre descrições de alta probabilidade), antecipando-se à concretização dos danos. Assim, ao contrário do que ocorre na Teoria do Risco concreto, não se pode exigir a ocorrência de um dano atual como condição para imputação objetiva à atividade perigosa ou arriscada quando se está falando em dano ambiental futuro, sob pena de perda da função ambiental do bem ambiental em perigo e do sentido preventivo do Direito Ambiental.

Talvez seja, exatamente, a transposição de, conforme Ulrich Beck[29], uma primeira modernidade para uma modernidade reflexiva que redunda no surgimento de uma Sociedade de Risco em detrimento de uma Sociedade Industrial, que esteja a exigir e justificar, cada vez mais, a existência de parâmetros e critérios para instrumentalizar decisões jurídicas que avaliem não apenas os danos já concretizados, mas, sobretudo, situações de risco.

O Direito passa a ser vislumbrado não apenas como elemento corretivo, de incidência post factum, mas também como instrumento de gestão de risco, atuando preventivamente à efetivação de danos ambientais. O dano ambiental futuro consiste exatamente na noção dogmática produzida pelo Direito Ambiental para potencializar uma comunicação acerca dos riscos ambientais no Direito. A formação de uma comunicação de risco no Direito, a que se destina a noção de dano ambiental futuro, potencializa o Direito Ambiental, fomentando a construção de observações e vínculos com o futuro[30], com o escopo de gerir os riscos ambientais produzidos pela Sociedade de Risco.

A interface entre a responsabilidade civil, o dano e o risco ambiental parecem estar numa posição de destaque dentro do Direito, no que diz respeito às condições e limites do sistema em assimilar (investigar, avaliar e gerir) os riscos ambientais por meio de decisões jurídicas. Neste sentido, esclarece Mary Douglas, que a percepção e a aceitação dos riscos encontram-se diretamente ligadas à atribuição de responsabilizações[31]. Porém, não se pode olvidar a existência de uma tensão, diante das novas configurações da Sociedade, entre a “moderna estrutura de risco na ecologia e os conceitos básicos do direito de responsabilidade.”[32] Tais tensões estruturais demarcam a fragilização das possibilidades de atribuição de relações causais às questões ambientais (múltiplos agentes, incerteza científica, múltiplas vítimas), bem como demonstram a impossibilidade lógico-científica de atribuir certeza à concretização e efetivação dos riscos em danos ambientais. Diante da complexidade que marca o dano ambiental futuro, o Direito só pode desencadear observações e descrições fundadas em juízos de probabilidade (aplicando a distinção probabilidade/improbabilidade). O deslocamento de um juízo de certeza para um juízo de probabilidade é acompanhado pela passagem de um direito de danos para um direito de risco.

O dano ambiental futuro consiste em dano reparável, mesmo diante das incertezas científicas que demarcam o dano ambiental em sua dimensão futura, acarretando em um enfraquecimento da necessária certeza da concretização futura do dano e do dogma da segurança jurídica, para a incidência da responsabilidade civil. Para Lucía Gomis Catalá “La complejidad de los efectos del dano ambiental debe conducirnos además a afirmar que el riesgo de dano se incluirá en el concepto global de dano al medio ambiente y será necesario, por tanto, aplicarle el mismo régimen de responsabilidad que al dano cierto.”[33]

Em síntese, o dano ambiental futuro é a expectativa de dano de caráter individual ou transindividual ao meio ambiente. Por se tratar de risco, não há, necessariamente, dano atual nem necessariamente a certeza científica absoluta de sua ocorrência futura, mas tão-somente a probabilidade de dano às futuras gerações. Nestes casos, a constatação de alta probabilidade ou probabilidade determinante de comprometimento futuro da função ecológica ou da capacidade de uso humano dos bens ecológicos[34], ensejaria a condenação do agente às medidas preventivas necessárias (obrigações de fazer ou não fazer) a fim de evitar danos ou minimizar as conseqüências futuras daqueles já concretizados.

2.2. Espécies do Dano Ambiental Futuro:

Não obstante a existência de descrições acerca do dano ambiental futuro na dogmática jurídica, estas se fazem insuficientes a fim de instrumentalizar a operacionalidade, a observação, a comunicação e a descrição dos riscos ambientais. A função do dano ambiental futuro, como comunicação voltada para o controle do futuro, consiste na prevenção à concretização futura de danos ambientais ou ao agravamento das conseqüências futuras daqueles já concretizados. Para tanto, devem ser descritas de duas espécies de danos ambientais futuros, isto é, (1) os danos ambientais futuros propriamente ditos ou ‘stricto sensu’ e (2) as conseqüências futuras de danos ambientais já concretizados.

Destarte, podemos observar que a primeira espécie do dano ambiental futuro caracteriza-se pela existência de alta probabilidade de ocorrência futura de danos ambientais em virtude da existência de uma determinada conduta, ou seja, o risco do dano em momento futuro. Já na segunda espécie, pode ser dito que, no momento da decisão jurisdicional, já há a efetivação do dano ambiental, contudo, a avaliação dos riscos deverá dizer respeito às conseqüências futuras deste em sua potencialidade cumulativa e progressiva.

O dano ambiental futuro concretiza-se na observação das probabilidades de ocorrência futura de danos ambientais ou das conseqüências futuras de um dano ambiental atual. Assim, ainda que não possa ser conhecido o futuro, nem mesmo o futuro produzido pelas decisões tomadas no presente, o risco consiste em importante meio de comunicação que possibilita formação de vínculos (descrições e observações) com o tempo futuro.[35] Esta integração de assimetrias temporais permite a construção de um futuro desejado. Portanto, as incertezas científicas, que engendram o dano ambiental futuro, devem ser observadas sob um cálculo de risco que leve em consideração perspectivas transdisciplinares (laudos, perícias, Estudos de Impacto Ambiental, etc), sob a construção de sentido jurídico oriundo de um binômio secundário do risco, isto é, probabilidade/improbabilidade de ocorrência futura do dano ambiental. A observação do futuro somente é possível por meio da probabilidade, isto é, o que pode ser percebido como mais ou menos provável ou improvável.[36]

Por se tratar de instrumento semântico para cálculo de risco, o dano ambiental futuro deve fazer uso das lições existentes acerca dos cálculos de risco que prevêem a transdisciplinariedade como metodologia necessária para a referida avaliação. Ulrich Beck afirma que “El cálculo de los riesgos vincula las ciencias físicas, la ingeniaría y las ciencias sociales.”[37] A avaliação do riscos inerentes à caracterização do dano ambiental futuro devem atender à transdisciplinariedade necessária às questões ambientais, por meio de instrumentos tais como EIA/RIMA, laudos técnicos, perícias, etc.

O dano ambiental futuro pode dizer respeito tanto aos danos ambientais individuais como aos danos ambientais coletivos. Conforme já referido, os debates acerca do dano futuro no direito de responsabilidade não se tratam de novidade para a teoria civilista, para a qual o dano futuro é dogmaticamente descrito e operacionalizado como um dano patrimonial através da noção de “lucro cessante” ou “perda de uma chance”.[38]

Contudo tais descrições fazem-se impróprias à matéria dos danos ambientais futuros, uma vez que estes se encontram imersos, freqüentemente, em contextos de incerteza científica quanto a sua ocorrência e suas conseqüências. Partindo da constatação de que não se pode conhecer o futuro, o dano ambiental futuro transcende juízos de certeza, permitindo tão-somente avaliações e cálculos de probabilidade. Sensível às incertezas e indeterminações que constituem a avaliação dos danos ambientais futuros, a doutrina ambientalista prevê que “nesses casos de danos ambientais futuros, há uma certa margem de risco, em termos de probabilidade, na concretização futura da degradação ambiental, que deve ser admitida como compatível com a certeza do dano para autorizar desde logo, no presente, a determinação de sua reparabilidade.”[39]

Desta maneira, o dano ambiental futuro deve atuar como a comunicação jurídica dogmática orientada para a tomada de decisões em condições de incerteza, fundando-se sob a égide de uma nova Teoria do Risco que, não obstante um passado sociológico, “já não é apenas um conceito sociológico” [40], devendo potencializar a assimilação das “perdas de certeza”[41] no âmbito do Direito a partir da perspectiva da Sociedade de Risco.

O dano ambiental futuro há de ser o elemento que efetue a transição entre o paradigma tradicional da responsabilidade civil, segundo o qual o dano reparável deve ser necessariamente certo e atual[42], para uma responsabilidade civil que tenha por função a avaliação das probabilidades lesivas dos riscos ambientais provenientes de determinadas atividades. Portanto, a formação de uma nova Teoria do Risco, na qual não haja a necessidade da concretização do dano para a respectiva responsabilização civil, faz-se compatível com a principiologia não apenas preventiva, mas, sobretudo, precaucional, que demarca o Direito Ambiental.

Na verdade, a Teoria do Risco Concreto que demarca a responsabilidade civil objetiva consiste numa falácia quando aplicada a muitos casos de Direito Ambiental, uma vez que exige a existência concreta, certa e atual do dano ambiental, não levando em consideração a dimensão futura deste. Em outras palavras, não se trata de uma Teoria de “risco”, mas sim de atribuição de imputação objetiva por “dano” já configurado.

III. A Teoria do Risco Abstrato [arriba] 

A constituição de uma nova formatação social, apresentada a partir do século XX, exige, por conseguinte, a configuração de uma nova Teoria do Risco, como Teoria de Imputação para atribuição de responsabilizações de natureza civil em situações de risco. Pode ser constatada a existência de verdadeiro hiato na teoria jurídica contemporânea, uma vez que, mesmo diante das significativas alterações estruturais que marcam a emergência da Sociedade de Risco, o Direito enfrenta os problemas pertinentes a esta nova formatação social, fazendo uso de teorias jurídicas provenientes da Sociedade Industrial. Isto é, observa o novo (era pós-industrial) com óculos dos velhos conceitos (produzidos pela sociedade industrial).

Assim, pode ser constatado que, apesar do surgimento de uma nova forma de Sociedade (Sociedade de Risco), as conceituações teóricas e semânticas utilizadas pelo Direito (nos processos de tomada de decisões) para lidar com surgimento de novas espécies de problemas característicos desta forma social são provenientes da Sociedade Industrial. A gravidade desta distância entre as condições dogmáticas do Direito, forjadas em resposta à Sociedade Industrial, e os novos conflitos provenientes da Sociedade de Risco é evidenciada pela dificuldade do Direito para juridicizar a principal característica desta última: a produção e distribuição de novas espécies de riscos (invisíveis, globais e transtemporais), os quais, sem precedentes históricos, possibilitam a destruição de toda a vida no planeta em decorrência das decisões que são ou que venham a ser tomadas.

Tal constatação é endossada por Ulrich Beck, para quem: “En el umbral del siglo XXI, los desafíos de la era de la tecnologia nuclear, genética y química se manipulan com conceptos y recetas derivadas de la primera sociedad industrial del siglo XIX y comienzos del XX.”[43] Portanto, pode ser constatado que não obstante a existência de situações de produção e distribuição de riscos e perigos ecológicos (invisíveis, globais e transtemporais), a atribuição de responsabilização civil objetiva funda-se, ainda hoje, em uma Teoria do Risco (Concreto) que exige a concretização de danos atuais, sem uma efetiva atribuição de responsabilidade pela produção do risco ambiental, isto é, fundada na probabilidade determinante da ocorrência de dano no futuro.

As palavras acima transcritas vêm de encontro à necessária superação de uma Teoria do Risco (Concreto) que, paradoxalmente, encontra sua incidência condicionada à ocorrência de um “dano” atual. Esta superação parece-nos possível a partir da formação de uma Nova Teoria do Risco (Abstrato) em que as decisões jurídicas tenham como problema a produção de riscos ambientais, cujo único elemento passível de avaliação consiste nas probabilidades ou improbabilidades de sua ocorrência futura e potencial lesivo. Assim, apesar das incertezas acerca das conseqüências de determinadas atividades, o Direito não pode se abster de tutelar os interesses das futuras gerações às condições e à qualidade ambientais necessárias a sua subsistência digna, sob pena de negar a sua função de construção de um futuro desejado (nos termos consignados, democraticamente, em boa parte das cartas constitucionais ocidentais contemporâneas).

Uma primeira constatação que deve ser feita acerca da transição de uma Teoria do Risco (Concreto) para uma Teoria do Risco Abstrato consiste exatamente no fato de que a primeira consiste numa teoria para atribuição de responsabilidade objetiva quando há comprovação da concretização do dano (pois para a doutrina tradicional sem dano não há o que ser reparado[44]). Já a segunda consiste em uma teoria que atua como condição de possibilidade para a juridicização de situações de risco, impondo-se obrigações preventivas aos agentes que estejam produzindo riscos intoleráveis.

Pode-se, diante do sentido vigente na dogmática jurídica acerca da Teoria do Risco (Concreto), constatar que o Direito, apesar de deter toda uma argumentação acerca do risco, encontra-se imerso num paradigma decisional de dano (Direito de Danos). A Teoria do Risco clássica instrumentaliza a incidência da Responsabilidade Objetiva tão-somente após a concretização do dano ambiental, ou seja, detém uma propulsão post factum, não atendendo às exigências preventivas e precaucionais que norteiam o Direito Ambiental.

As alterações na Teoria do Risco e nas noções dogmáticas de risco vigentes devem acompanhar a mudança do paradigma científico ocorrida no último século. A ciência moderna encontrou-se fundada sobre modelos causalistas, sendo marcada pela crença na previsibilidade das relações de causa e efeito, na linearidade da temporalidade e, conseqüentemente, numa certa previsibilidade do futuro. Já a ciência na atualidade (pós-industrialismo) demonstra-se inserida num contexto de incerteza e complexidade. A ausência da linearidade nas relações causais e o constante enfrentamento de questões pertinentes a sistemas hipercomplexos ressaltam a importância a ser atribuída às noções de risco e perigo.

A inserção da Sociedade em uma era de risco é demonstrada pelas descrições científicas que, por hora, assumem o risco e a incerteza como formas semânticas capazes de produzir descrições acerca de “sistemas dinâmicos instáveis”, em superação à racionalidade que identifica ciência e certeza, probabilidade e ignorância.[45] A superação de uma Modernidade construída sobre certeza, segurança e previsibilidade causal, em direção de uma nova racionalidade é fortalecida nas palavras do Prêmio Nobel da Química, Ilya Prigogine, para quem “as leis fundamentais exprimem agora possibilidades, e não mais certezas.”[46]

Portanto, a imprevisibilidade das conseqüências e a precariedade nas bases de informação ambientais que permeiam as decisões jurídicas em matéria ambiental alocam o Direito em um paradigma de incerteza científica e de controle de risco. Somente são possíveis constatações fundadas sobre a probabilidade ou improbabilidade de determinados eventos, havendo a necessidade de se tomar decisões jurídicas mesmo diante da existência de indeterminações acerca da ocorrência destes. Pode-se constatar, assim, que é arriscado decidir em casos imersos em contextos de incerteza científica, porém, abster-se de uma decisão em razão da incerteza trata-se, desde já, de uma decisão quiçá ainda mais arriscada.

Importante compreender que na Modernidade “o risco era social e institucionalmente percebido como um evento estatístico, provável e, sobretudo, controlável”[47] pela ciência, enquanto que atualmente este consiste em comunicação cujo tema versa sobre as conseqüências indesejadas de decisões presentes ou passadas. Há, por meio da assimilação jurídica desta noção de risco, a formação de observações e vínculos com o futuro (De Giorgi), fomentando a reconciliação entre o presente e o futuro por meio da formação de feixes obrigacionais construídos sobre noções transtemporais e intergeracionais.

A desmistificação da ciência moderna, construída sobre certezas, provoca a aceitação do risco como construção social, estabelecendo a existência de um processo de relação com o risco que se desmembra em três etapas: a averiguação ou investigação, a avaliação e a gestão do risco.[48] A investigação ou análise do risco é tida no domínio do conhecimento, como a investigação científica do risco. A avaliação do risco consiste na ponderação entre os fatos, as incertezas do conhecimento e os interesses afetados.[49] Já a gestão do risco, nas palavras de João Loureiro, “exige um procedimento crescentemente marcado pela experimentação e pela capacidade de aprendizagem e revisibilidade.”[50]

A nova concepção atribuída ao risco (e à Teoria do Risco) visa a potencializar a responsabilidade civil como instrumento jurisdicional não apenas de reparação de danos, mas também de investigação, avaliação e gestão de riscos ambientais. Enquanto que a sua investigação é concretizada na realização de perícias ambientais no processo judicial, a avaliação dos riscos se dá pela integração entre os conhecimentos científicos e o Direito, formando uma avaliação jurisdicional probablística dos riscos ambientais e de sua tolerabilidade. Já a gestão do risco ambiental pela responsabilidade civil decorrerá das medidas preventivas impostas ao agente com o escopo de evitar a ocorrência de danos ambientais futuros.

3.1. A Responsabilidade Civil sem Dano como Fundamento para a Imposição de Medidas Preventivas:

O debate acerca da responsabilização civil por dano ambiental futuro deve passar pela discussão acerca da responsabilidade civil sem dano. Primeiramente, deve-se constatar que a tradição moderna da responsabilidade civil sempre se encontrou vinculada à necessidade de existência da prova de dano (atual e concreto). Porém, a sua origem romana, como pena privada, abrangia tanto um caráter meramente punitivo, quanto um caráter ressarcitório. Com o desenvolvimento do Direito Penal nos países de tradição jurídica pertencentes à civil law, operou-se um processo de densificação da separação entre caráter punitivo, absorvido por esse ramo jurídico, e o caráter ressarcitório, que passou a ser identificado como a função preponderante da responsabilidade de natureza civil. Assim, a responsabilidade civil passou, cada vez mais influenciada pela sociedade burguesa, a exigir a existência de dano patrimonial para a aplicação do instituto (atuando sob uma lógica proprietária ou patrimonialista).

No entanto, uma tendência de ressurgimento da pena privada, diagnosticada nas últimas décadas,[51] acarreta na expansão da responsabilidade civil para além dos “muros” dos danos patrimoniais, renascendo o caráter punitivo para a tutela pedagógica e preventiva de determinados interesses jurídicos. O ponto de partida da aplicação da pena privada (responsabilidade civil com ou sem dano) parte da desvinculação entre o ilícito civil e seus pressupostos tradicionais, isto é, a concretização de um dano e a comprovação da culpabilidade.

Após o seu surgimento no Império Romano, a responsabilidade civil passou por diversas influências na Idade Média (culpa) e na Modernidade (dano). O direito privado foi influenciado pela lógica proprietária do século VIII que passou a vincular o ilícito à ocorrência de um dano, descrito em sua dimensão eminentemente patrimonial. O primeiro momento da expansão da responsabilidade civil na Modernidade foi para a superação da culpa e, após isto, a aceitação da responsabilização civil por danos extrapatrimoniais, o que rompia com a lógica eminentemente patrimonialista da ideologia burguesa, fundada exclusivamente na reparabilidade do dano patrimonial.

A existência de um segundo fenômeno de expansão da responsabilidade civil nas últimas décadas em direção à sua aplicação como “pene private” é esclarecida por Paollo Gallo, para quem pôde ser auferida uma “progressiva erosão” do requisito culpa para a aplicação da responsabilidade civil em direção à responsabilidade objetiva na Sociedade Industrial da mesma maneira que novas situações sociais ensejam, atualmente, a erosão do requisito dano[52] em relação ao risco. Esta transição demarca uma reconfiguração do sentido atribuído ao ilícito civil, sendo ampliado o seu âmago e sentido, com a desvinculação do dano como pressuposto configurador do ilícito sujeito à sanção civil. Portanto, o ilícito e o dano não se confundem, enquanto o primeiro estabelece a contrariedade ao direito, o segundo prevê a lesão a um interesse juridicamente tutelado.

Segundo o autor, existem quatro configurações em que podem se fazer oportunas a aplicação da pena privada em superação à tradição moderna de incidência da responsabilidade civil como mero instrumento de ressarcimento de danos: a) quando um comportamento lesivo a um direito subjetivo não afeta necessariamente um dano de natureza patrimonial; b) a configuração da responsabilidade civil como instrumento de ressarcimento demonstra sua insuficiência quando o responsável pela lesão se beneficia ou lucra de maneira superior ao dano efetivamente sofrido; c) o custo social decorrente do ilícito é superior aos danos individuais, detendo, uma natureza difusa; d) quando existem “microlesões criminais” para as quais a sanção criminal seria excessiva (“I reati bagatellari”).[53]

A questão da aplicação da responsabilidade civil sem dano (atual e concreto) em matéria de tutela ambiental estaria compreendida naqueles casos em que um determinado risco ambiental consistiria em ilícito civil por produzir um custo social intolerável em virtude de seu potencial transtemporal e difuso. Em outras palavras, sempre que houvesse ou a ocorrência de um dano (art. 14, parágrafo primeiro, Lei n. 6.938/81) ou a produção de riscos ambientais intoleráveis (arts. 225 da CF e 187 da Lei n. 10.406/02) estar-se-ia diante de um ilícito passível de responsabilização civil.

A evolução expansiva da responsabilidade civil tem demonstrado o surgimento de novos eventos que ocasionam a incidência da responsabilidade civil sem a necessidade de efetiva comprovação de dano patrimonial, concreto e atual. Para entender os caminhos trilhados pela referida evolução da responsabilidade civil, há que ser avaliado o sentido jurídico atribuído à ilicitude pela dogmática jurídica e sua expansão em direção à maior abertura ao longo das últimas décadas. A ilicitude, como fonte obrigacional civil, passa a adquirir uma dimensão mais ampla (em superação à sua clássica vinculação ao dano e à culpabilidade) com o escopo de tutelar novas situações sociais que envolvam “direitos da Personalidade, os difusos e os coletivos (principalmente a tutela do meio ambiente).”[54]

No direito brasileiro, conforme atenta observação de Judith Hofmeister Martins-Costa, a partir do Código Civil de 2002, “O que aí está patente, e altissonante, é a desconexão de um elo que, tradicionalmente, soava automático: foi cortada a automaticidade da ligação entre a ilicitude (arts. 186 e 187) e o dever de indenizar (art. 927 e ss), e entre a ilicitude civil e dano.”[55] Portanto, a Teoria dos Atos Ilícitos, construída na Sociedade Industrial, apresenta-se fundada sobre o entendimento de que a ilicitude encontra-se umbilicalmente ligada à existência de um dano patrimonial concreto para que possa ser considerada fonte para a obrigação indenizatória. O surgimento de novos fenômenos sociais, decorrentes da configuração do que se tem chamado de Sociedade de Risco, eleva a relevância da desvinculação entre a configuração da ilicitude, o caráter meramente patrimonialista da responsabilidade civil e a necessidade de concretização de danos. A justificação para esta separação encontra subsídio no interesse social de que determinados interesses devem ser tutelados antes mesmo da ocorrência de danos, em razão de sua irreparabilidade e irreversibilidade, como ocorre em boa parte dos danos ambientais.

A expansão da responsabilidade civil, já ressaltada por Paollo Gallo, é ratificada em nosso direito positivo pelo desmembramento da ilicitude nos arts. 186 e 187 da Lei 10.406/02 (Código Civil de 2002). Enquanto o art. 186[56] do Código Civil 2002 mantém a tônica prevista no art. 159[57] do Código Civil de 1916, vinculando a ilicitude à existência comprovada de culpa e dano, o art. 187[58] do Código Civil de 2002 dispensa a culpa e o dano como a elemento configurador da ilícitude.

Por estas razões, a estrutura da ilicitude encontra-se fundada na separação metodológica entre ilicitude e o dever de indenizar, não condicionando o sentido de ilicitude, diretamente, nem ao elemento subjetivo (culpa), nem ao objetivo (dano), nem à responsabilidade civil. Tais constatações tornam possíveis a inserção de novas formas de tutela para além da obrigação de indenizar, bem como o entendimento de que possa haver ilicitude sem dano (como é o caso da responsabilidade civil por risco ambiental) e dano reparável sem ilicitude (responsabilidade civil objetiva por dano ambiental).

Considerando a existência de um “dever de preventividade objetiva” imposto pelo art. 225 da CF em razão dos custos sociais decorrentes da generalização dos riscos ambientais na Sociedade Pós-Industrial, a sua violação a partir da produção de riscos ambientais intoleráveis acarreta na configuração de um ilícito ambiental. Tendo como sustentação normativa os termos do art. 225, da Constituição Federal e a abertura do sentido atribuído à ilicitude civil apresentada pelo art. 187 do Código Civil de 2002, o dano ambiental futuro é verdadeira fonte de obrigação civil capaz de acarretar em tutela diversa da mera indenização ou reparação, atuando por meio da imposição jurisdicional de medidas preventivas (de caráter inibitório ou mesmo mandamental).

Ao passo que a responsabilidade civil objetiva prevista no art. 14, parágrafo primeiro, da Lei n. 6.938/81, estabelece a necessária reparação ou indenização nos casos de danos causados ao meio ambiente, o art. 187 do Código Civil e a Nova Teoria do Risco (Abstrato) estabelecem que a produção de riscos ambientais intoleráveis por determinada atividade enseja a imposição de medidas preventivas ao agente que desenvolve a atividade perigosa, sem a necessidade da concretização do dano ambiental. A ilicitude do dano ambiental futuro é acompanhada do seu respectivo efeito desencadeador da imposição de obrigações civis àqueles que desenvolvem atividades que ocasionam riscos ambientais dotados de alta probabilidade de ocorrência e grave ameaça ao meio ambiente.

O Tribunal Supremo da Espanha tem, contínua e reiteradamente, adotado a imposição de medidas preventivas para evitar danos futuros ao meio ambiente. Para tanto, esta corte tem defendido o entendimento de que a responsabilidade por danos ambientais deve abranger, necessariamente, a adoção de medidas tendentes a evitar a repetição de tais danos no futuro, já que de outro modo não só resultaria inútil condenar o sujeito agente a indenizar o dano causado sem impedi-lo de praticar atos danosos no futuro, como, acima de tudo, seria paradoxal e irrazoável.[59] Em razão de tais medidas, a responsabilidade por danos ambientais deve incluir não apenas a reparação “stricto sensu”, mas também a adoção de medidas preventivas, consistindo em uma boa amostra da especialidade da responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente.[60]

Já no âmbito dos convênios internacionais que dizem respeito à matéria de responsabilidade por danos ao meio ambiente, a imposição dos custos com medidas preventivas às atividades perigosas ou arriscadas encontra-se contemplada na própria definição de dano. Assim prevêem o Convênio sobre o transporte marítimo de hidrocarbonos modificado pelo Protocolo de 1984, o Convênio sobre o transporte de mercadorias perigosas, o Convênio do Conselho da Europa e na Proposta de Diretiva sobre responsabilidade civil em matéria de resíduos. Lucía Gomis Catalá esclarece o sentido que o termo “medidas preventivas” adquire em tais estatutos internacionais, compreendendo “tanto las medidas adoptadas antes de la producción del daño cuanto las medidas adoptadas tras el evento dañoso e incluso tras su reparación con el fin de prevenir daños futuros mayores.” [61]

No direito pátrio, a imposição de medidas preventivas é prevista na Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) que estabelece, no seu art. 3º, que esta espécie de demanda jurisdicional pode ter “por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.” Dessa forma, a ação civil pública, tida como instrumento processual para a imposição da responsabilização civil em casos de danos ambientais coletivos[62], prevê a possibilidade de imposição de obrigações de fazer ou não fazer (medidas preventivas) a um determinado agente, mesmo antes da efetivação do dano ambiental desde que existente risco ambiental intolerável. Assim, o dano ambiental futuro consiste em todos aqueles riscos ambientais que, por sua intolerabilidade, são considerados como ilícito, justificando a imposição de medidas preventivas (sanção civil).

Os precedentes jurisprudenciais existentes nos Tribunais brasileiros têm demonstrado uma tendência ao entendimento de que a simples eventualidade (probabilidade) de dano ambiental já autoriza o manejo da ação civil pública, havendo a valorização de sua função preventiva (e favorecendo a imposição de medidas preventivas), conforme demonstra julgado do Tribunal Regional Federal da Quinta Região – TRF 5 Região:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. CAUTELAR PREPARATÓRIA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR DE PERDA DE OBJETO. INCABIMENTO. EVENTUALIDADE DO DANO AMBIENTAL. CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA. COMPETÊNCIA ‘RATIONE LOCI’. PRORROGAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS.

1. Não há perda de objeto da cautelar enquanto não restar, a ação principal, albergada pelo manto da coisa julgada. Preliminar rejeitada.

1. Inexiste carência de ação, ‘in casu’, pois a simples eventualidade de dano ou impacto ambiental já autoriza o manejo da ação civil pública, não sendo necessária a preexistência de dano, isto em virtude do princípio da prevenção, consagrado sobretudo constitucionalmente.

2. Fixada a competência para o processamento da ação civil pública, conforme dispõe o art. 2, da Lei n. 7.347, de 24.7.85, ‘ratione loci’, ou seja, em razão do local no qual se verificaria o suposto dano ambiental, não já como se cogitar a verificação de incompetência absoluta, matéria de ordem pública.

3. Tratando-se, pois, de argüição atinente à incompetência relativa, fixada através do critério territorial, impossível o seu reconhecimento a qualquer tempo, pois este encontrar-se-ia condicionado à interposição da exceção cabível, quando da contestação. Inobservado o memento oportuno para tanto, encontra-se preclusa a questão.

4. Quanto ao alegado cerceamento de defesa, anoto a sua descaracterização em virtude da desnecessidade da produção das provas requeridas. Ademais, tornar-se-ia inócuo o reconhecimento da nulidade da sentença, que tão-somente ocorreria a fim de oportunizar a produção de prova já coligida nos autos da ação principal.

5. Preliminar de perda de objeto rejeitada. Apelação improvida.” (Apelação Cível n. 147846-CE, Tribunal Regional Federal da 5 Região, 2 Turma, Des. Federal Araken Mariz, j. 04.04.2000, DJU de 25.08.2000, p. 1.065). (grifei)

A principal justificativa para a implementação da responsabilidade civil para atividades potencialmente poluidoras sem que haja a necessidade da concretização do dano, mas tão-somente a indicação de sua previsibilidade (alta probabilidade de sua ocorrência), por meio da imposição de medidas preventivas, decorre de forma lógica e direta do princípio-chave em Direito Ambiental, o da Precaução.

José Joaquim Gomes Canotilho ressalta que é a irreversibilidade dos danos ambientais que justifica e legitima a imposição de medidas preventivas a todas as atividades que produzam riscos ambientais intoleráveis, conforme suas palavras:

Dada a irreversibilidade de muitas das lesões ecológico-ambientais, justifica-se plenamente a institucionalização de remédios jurisdicionais preventivo-inibitórios (da competência dos tribunais judiciais ou dos tribunais administrativos em sede de contencioso de plena jurisdição) destinados a prevenir lesões futuras aos ecossistemas e a inibir ou impedir acções perturbadoras do ambiente.[63]

O entendimento dogmático que tem surgido na doutrina e na jurisprudência acerca da Teoria dos Atos Ilícitos, da Responsabilidade Civil e mesmo do Direito Ambiental, demonstra-se como ressonância do Direito aos riscos ecológicos produzidos pela Sociedade de Risco. Com a noção de responsabilidade civil sem dano (quer dizer, sem dano já concretizado e atual) pode ser vislumbrada a função preventiva da responsabilidade civil, atuando como verdadeiro instrumento de avaliação e gestão de riscos ambientais. Com a construção de decisões fundadas em noções de probabilidade ou improbabilidade, a responsabilidade civil tem a capacidade de impor a implementação de medidas preventivas a atividades perigosas e arriscadas dotadas de alta probabilidade de ocorrência de dano ambiental futuro. A avaliação da probabilidade da ocorrência futura de um dano, de sua gravidade e de sua irreversibilidade só pode ser justificada numa interação entre os institutos jurídicos ambientais e a confecção de descrições científicas plúrimas (perícias transdisiplinares).

3.2. Os Riscos Ambientais Configuradores do Ilícito Ambiental:

Os riscos ambientais, gerados por determinadas atividades, formam o sentido jurídico do dano ambiental futuro e possibilitam de imposição judicial de medidas preventivas sempre que demonstrada (1.) a alta probabilidade de concretização futura em dano, (2.) a sua irreversibilidade e (3.) sua gravidade (pela superação ao grau de tolerabilidade).[64] A partir da avaliação destes elementos, caberá a configuração da licitude ou ilicitude dos riscos ambientais. Os riscos ambientais ilícitos serão aqueles cuja avaliação da sua probabilidade, irreversibilidade e gravidade (magnitude) lhes confiram a condição de riscos intoleráveis e que, por isso, justifica-se a sua sujeição ao cumprimento de medidas preventivas que sirvam para a minimização da sua potencialidade ou mesmo de sua concretização.

Em virtude de tratar-se o meio ambiente ecologicamente equilibrado de um direito fundamental das presentes e futuras gerações, o “ilícito ambiental” consiste na violação a estes interesses (regras e princípios do Direito Ambiental), independentemente da voluntariedade, culpabilidade, ou mesmo, da concretização de um dano ambiental presente. A própria constitucionalização do “dever genérico e abstrato de não-degradação do meio ambiente”[65] prevê a prevenção como obrigação jurídica. Este “dever de preventividade objetiva”[66] do Direito Ambiental impõe a avaliação de quais riscos ambientais encontram-se sujeitos à configuração de ilicitude, descrevendo o ponto crítico a partir do qual o risco ambiental se tornará inaceitável.

Primeiramente, a configuração da ilicitude do risco ambiental deve ser condicionada a sua alta probabilidade de ocorrência futura, o que deverá ser determinado pela interação entre os estudos periciais transdisciplinares e o sentido jurídico de degradação ambiental. Tratando-se de situações de risco e não de dano, somente há a possibilidade de juízos de probabilidade em detrimento da certeza, no que diz respeito à sua concretização, dimensões e prova da causalidade. Aqui é relevante a avaliação das probabilidades que envolvem tanto a ocorrência do dano futuro quanto da própria causalidade, uma vez que, em se tratando de eventos futuros (riscos), jamais haverá a possibilidade de descrições fundadas em certezas científicas, quer acerca da ocorrência quer acerca da relação de causa e efeito (provável).

Da mesma forma, a irreversibilidade dos danos potenciais deve ser objeto de avaliação para a configuração de um risco ambiental como ilícito jurídico. A importância da configuração deste elemento para a avaliação da licitude ou ilicitude dos riscos ambientais é endossada pelo estudo de Christine Noiville para quem: “quando se questiona a legalidade de uma medida de precaução perante os Tribunais, estes se atêm a verificar, de um lado – e como requer a maior parte das normas pertinentes – se o provável dano é de natureza grave ou mesmo irreversível.”[67] Da mesma maneira, a irreversibilidade é indicada como elemento para avaliação dos riscos ambientais pelas decisões proferidas nas mais diversas instâncias jurisdicionais e administrativas que envolvam a gestão dos riscos a partir do Princípio da Precaução.[68]

Em seguida, deve haver a avaliação da tolerabilidade ou intolerabilidade do risco ambiental gerado por determinada atividade perigosa para que haja a configuração deste como ilícito ambiental. Os riscos ambientais serão considerados riscos ilícitos quando o seu grau de tolerabilidade for excedido, sendo considerado injustificado ou excessivo a uma determinada atividade. Para tanto, a configuração do risco ilícito “é resultado de uma atividade inadmissível, seja porque excessivamente arriscada, seja porque não existem justificativas para a exposição do ambiente a essa atividade.”[69]

A tolerabilidade dos riscos ecológicos gerados por determinadas atividades deve levar em consideração a potencialidade destes riscos ocasionarem o comprometimento da capacidade funcional ecológica ou da capacidade de aproveitamento humano[70] dos bens ambientais envolvidos.

IV. Considerações Finais e Quadro Sinóptico Comparativo [arriba] 

1. A passagem de uma Sociedade Industrial para uma Sociedade de Risco deflagra uma nova estrutura social demarcada pela produção de riscos invisíveis e globais. Esta transição estrutural da Sociedade Contemporânea, por óbvio, ocasiona profundas ressonâncias no Direito, expondo-o a solução de novas formas de conflitos e de expectativas. A Sociedade atual, caracterizada pela produção de riscos invisíveis e globais (Ulrich Beck) e pela necessidade de controle destas indeterminações (Raffaele De Giorgi), impõe aos sistemas sociais a formação de condições estruturais para tomadas de decisão em situações de risco, nas quais temos contextos de racionalidade limitada (bounded rationality) (Niklas Luhmann).

2. A Sociedade Industrial, proveniente de uma primeira modernidade, é suplantada a partir da emergência de uma modernidade reflexiva, sintetizada no termo Sociedade de Risco, em que há uma auto-confrontação entre as condições de desenvolvimento desta Sociedade e seu potencial auto-destrutivo.

3. A era Industrial é marcada pela proliferação dos riscos decorrentes logicamente do surgimento do maquinismo. Tais riscos são demarcados por sua concretude e previsibilidade causal, acompanhando as descrições existentes nas ciências sociais. Com a potencialização do desenvolvimento da ciência e sua utilização industrial massificada, surgem novas formas de riscos mais abstratos e cujo potencial ofensivo é ainda maior. A emergência e a proliferação da indústria química, da geração atômica de energia e da manipulação genética fornecem inúmeros exemplos do potencial destrutivo de riscos marcados pela globalidade e imprevisibilidade de suas conseqüências.

4. Enquanto que a era Industrial exige prevenção aos riscos cuja previsibilidade é possível a partir do conhecimento científico existente (risco concreto), a era do Risco apresenta o surgimento do Princípio da Precaução como instrumento para impor a cautela como valor para as tomadas de decisão em face de situações em que não haja certeza nem conhecimento científico suficientes para um diagnóstico seguro acerca das probabilidades, conseqüências e gravidade dos riscos ambientais (risco abstrato).

5. A perda das certezas existente na ciência contemporânea desencadeia uma transição de uma matriz determinística (funcionalismo científico) para uma matriz probabilística (equivalentes funcionais) no que respeita as condições de avaliação transdisciplinar dos riscos pelos diferentes sistemas sociais. Assim, os contextos de incerteza que engendram os processos de decisão em situações de risco permitem, apenas e tão-somente, avaliações acerca de sua probabilidade ou improbabilidade.

6. Diante da existência de diferenças nas características que envolvem os riscos peculiares à Sociedade Industrial (clássica) e àqueles inerentes a uma matriz pós-industrial (ou reflexiva), também se exige a formação de condições estruturais diversas para assimilação e juridicização destes. Considerando que o trabalho realizado pela dogmática jurídica moderna no Direito Privado no sentido de formar de uma Teoria do Risco (concreto) cuja condição para a imputação objetiva da responsabilidade civil é a ocorrência de um dano, observa-se a necessidade de formação de uma Teoria do Risco Abstrato, mais adequada à averiguação, avaliação e gestão dos riscos antes de sua concretização em danos. Assim, enquanto a Teoria do Risco (Concreto) atua como condição estrutural para a aplicação da imputação objetiva por dano ambiental, a Teoria do Risco Abstrato atua como condição epistemológica para a responsabilização civil por riscos ambientais intoleráveis (danos ambientais futuros), a partir da imposição de medidas preventivas.

7. Enquanto que a responsabilidade civil por dano ambiental exige a ocorrência do dano para a imputação objetiva, a avaliação jurídica acerca da ocorrência ou não de um dano ambiental futuro depende sempre da configuração de ilicitude do risco ambiental em questão, o que é possível a partir da avaliação da probabilidade, gravidade e irreversibilidade de um risco ambiental. Somente eventos cuja probabilidade de danos futuros seja determinante é que darão margem à intervenção e operacionalização do Direito.

8. A responsabilidade civil por danos ambientais encontra fundamento normativo no art. 14, parágrafo primeiro da Lei n. 6.938/81, exigindo como condição para sua aplicação a ocorrência de dano, conduta e nexo causal. Porém, a existência de previsão normativa da tutela das futuras gerações (art. 225, CF), bem como a formação de condições para a caracterização da ilicitude sem a necessidade de concretização de dano (art. 187, Lei n. 10.406/2002) atuam como programações condicionais que autorizam a responsabilização por dano futuro. Da mesma forma, a força normativa dos Princípios da Prevenção e Precaução, jurisprudencialmente consolidados, demonstram a capacidade do Direito para assimilação (investigação, avaliação e gestão) dos riscos ambientais pelo Direito a partir da responsabilização civil por danos ambientais futuros.

9. A responsabilidade civil por danos ambientais justifica a imposição de recuperação da área degradada ou indenização, quando e na medida em que não foi possível a primeira. A configuração da existência de um dano ambiental futuro (risco ambiental ilícito) deve desencadear a imposição de medidas preventivas ao agente, ou seja, obrigações de fazer ou não fazer (art. 3º, Lei 7.347/85).

 

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*Doutor em Direito UNISINOS. Mestre em Direito Público UNISINOS. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito - PPGD da UNISINOS. Advogado e consultor jurídico.

[1] Acerca de uma descrição histórica da responsabilidade civil, ver: NORONHA, Fernando. “Desenvolvimentos Contemporâneos da Responsabilidade Civil”. In: Revista dos Tribunais, n. 761, ano 88, mar. 1999. p. 31-44.
[2] BECK, Ulrich. Risk Society: Towards a New Modernity. London: Sage, 1992.
[3] Idem, p. 35.
[4] FIORILLO, Celso Antônio. Curso de Direito Ambiental. 5 ed. amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 29. Também: CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Malheiros. p. 153.
[5] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. p. 155.
[6] BECK, Ulrich. “The Anthropological Shock: Chernobyl and the Contours of the Risk Society”. Berkeley Journal of Sociology, n. 32, 1987, p. 153-65.
[7] BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo Global. Madrid: Siglo Veintiuno de España Editores, 2002. Madrid: Siglo Veintiuno de España Editores, 2002. p. 83.
[8] Para Ulrich Beck “La sociedad burguesa e industrial se equipara a la modernidad.” (Idem. Las Consecuencias Perversas de la Modernidad: modernidad, contingencia e riesgo. Barcelona: Anthropos, 1996. p. 226)
[9] BECK, Ulrich. “A Reinvenção da Política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva.” In: GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização Reflexiva. São Paulo: UNESP, 1995, p. 12.
[10] LOUREIRO, João. “Da Sociedade Técnica de Massas à Sociedade de Risco: prevenção, precaução e tecnociência – algumas questões juspublicistas.” In: Boletim da Faculdade de Direito – Studia Iuridica, p. 804.
[11] DE GIORGI, Raffaele. Direito, Democracia e Risco: vínculos com o futuro. Porto Alegre: Safe, 1998, p. 193.
[12] BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo Global, p. 5.
[13] Acerca do risco ambiental ver: TEUBNER, Günther. “The Invisible Cupola: from causal to collective attribuition in ecological liability.” In: TEUBNER, Günther; FARMER, Lindsay; MURPHY, Dean. Envronmental Law and Ecological Responsibility: the concept and practice of ecological self-organization. London: John Wiley & Sons, 1994. p. 22 e segs.
[14] LUHMANN, Niklas. Sociologia del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana, 1992. p. 70
[15] Idem, p. 50-2.
[16] Idem, p. 63-5.
[17] LOUREIRO, João. “Da Sociedade Técnica de Massas à Sociedade de Risco: prevenção, precaução e tecnociência – algumas questões juspublicistas.” In: Boletim da Faculdade de Direito – Studia Iuridica
[18] LUHMANN, Niklas. Sociologia del riesgo, p. 63.
[19] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 94-6.
[20] PATTI, Salvatore. La Tutela Civile Dell’ambiente. Padova: CEDAM, 1979, p. 62-91; 178-184.
[21] LUCARELLI, Fábio Dutra. “Responsabilidade Civil por Dano Ecológico.” In: Revista dos Tribunais, v. 700, ano 83, fev. 1994. p. 11.
[22] PERALES, Carlos Miguel. La Responsabilidad Civil por Daños al Medio Ambiente. Madri: Civitas, 1993. p. 94.
[23] STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 142-9.
[24] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 169.
[25] BECK, Ulrich. “The Anthropological Shock: Chernobyl and the Contours of the Risk Society”. Berkeley Journal of Sociology, p. 154-156.
[26] Sobre a existência de uma matriz pragmático-sistêmica na Teoria do Direito, ver: ROCHA, Leonel Severo. “Três Matrizes da Teoria Jurídica.” In: Epistemologia Jurídica e Democracia. São Leopoldo: UNISINOS, 2003.
[27] Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA: La responsabilidad por el dano ambiental. México: Oficina Regional para a América Latina e Caribe do PNUMA, 1996, p. 671 (série Documentos sobre Derecho Ambiental, n. 5). p. 664.
[28] BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo Global.
[29] Idem. Risk Society: Towards a New Modernity; Idem. La Sociedad del Riesgo Global.
[30] DE GIORGI, Raffaele. Direito, Democracia e Risco: vínculos com o futuro. 1993, p. 193.
[31] DOUGLAS, Mary. La aceptabilidad del riesgo según las ciencias sociales. Barcelona: Payados, 1996, p. 64; no mesmo sentido LUHMANN, Niklas. Sociologia del riesgo, p. 105; BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo Global, p. 78-9.
[32] TEUBNER, Gunther. “A Cúpula Invisível: crise da causalidade e imputação coletiva.” In: Direito, Sistema e Policontexturalidade. São Paulo: UNIMEP, 2005, p. 198.
[33] CATALÁ, Lucía Gomis. Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente. Pamplona: Arazandi Editorial. p. 79.
[34] SENDIM, José de Sousa Cunhal. Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos: da reparação do dano através da restauração natural. Coimbra: Coimbra, 1998, p. 146-7.
[35] LUHMANN, Niklas. Sociologia del riesgo, p. 55.
[36] Idem, p. 92.
[37] BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo Global, p. 80.
[38] Conforme o magistério de Lucìa Gomis Catalá: “Tradicionalmente, el Derecho civil admite la reparación tanto del daño cierto (damnum emergens) cuanto de la perdida de ganancia futura derivada del mismo (lucrum cessans) siempre que ambos daños se refieran a um bien sujeto a um derecho patrimonial del individuo.” (CATALÁ, Lucía Gomis. Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente, p. 83). Ainda, Sérgio Severo constata que “Custuma-se dividir o dano patrimonial em dano emergente e lucro cessante, também designados como dano atual e dano futuro, conforme os sseus efeitos já se tenham concretizado ou venham a ocorrer após a sentença.” (SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 39).
[39] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente, p. 95.
[40] LOUREIRO, João. “Da Sociedade Técnica de Massas à Sociedade de Risco: prevenção, precaução e tecnociência – algumas questões juspublicistas.” In: Boletim da Faculdade de Direito – Studia Iuridica, p. 864.
[41] Idem, p. 867.
[42] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil,p. 41.
[43] BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo Global, p. 87.
[44] Neste sentido demonstra Caio Mário da Silva Pereira (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil,p. 37-9)
[45] PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: UNESP, 1996, p. 12-4.
[46] Idem, p. 13.
[47] AYALA, Patryck de Araújo. “A Proteção Jurídica das Futuras Gerações na Sociedade do Risco Global: o Direito ao Futuro na Ordem Constitucional Brasileira.” In: FERREIRA, Helini Sivini; MORATO LEITE, José Rubens (orgs.). Estado de Direito Ambiental: Tendências, Aspectos Constitucionais e Diagnósticos. São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 230.
[48] LOUREIRO, João. “Da Sociedade Técnica de Massas à Sociedade de Risco: prevenção, precaução e tecnociência – algumas questões juspublicistas.” In: Boletim da Faculdade de Direito – Studia Iuridica, p. 862.
[49] Conforme a Comissão das Comunidades Européias. “Comunicação da Comissão relativa ao princípio da precaução.” Bruxelas, 02.02.2000, COM (2000) 1, Anexo III, a avaliação de riscos consiste em quatro componentes: a identificação do perigo, a caracterização do perigo, a avaliação da exposição e a caracterização do risco.
[50] LOUREIRO, João. Op. cit., p. 860-3.
[51] Assim diagnostica GALLO, Paollo. Pene Private e Responsabilità Civile. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1996.
[52] Idem, p. 14.
[53] GALLO, Paollo. Pene Private e Responsabilità Civile, p. 14.
[54] MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. “Breves anotações acerca do conceito de ilicitude no novo Código Civil. Estruturas e rupturas em torno do art. 187.” In: Jus Navegandi. Disponível em: Acesso em: 22 abr. 2005.
[55] Idem, ibidem.
[56] “art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
[57] “art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.”
[58] “art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
[59] PERALES, Carlos Miguel. La Responsabilidad Civil por Daños al Medio Ambiente, p. 94.
[60] Idem, p. 95.
[61] CATALÁ, Lucía Gomis. Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente, p. 80.
[62] Neste sentido faz-se o texto do art. 1 da Lei n. 7.347/85: “Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados: I – ao meio ambiente; II – ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.”
[63] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Protecção do Ambiente e Direito de Propriedade (Crítica de Jurisprudência Ambiental). Coimbra: Coimbra, 1995.
[64] A utilização destes elementos para o diagnóstico do dano ambiental futuro parte das próprias diretrizes para implementação do princípio da precaução, conforme demonstra o Comunicado da Comissão das Comunidades Européias relativa ao Princípio da Precaução: “Isto exige dados científicos seguros e raciocínio lógico, conduzindo a uma conclusão que exprima a possibilidade de ocorrência e a gravidade do impacto de um potencial perigo para o ambiente ou a saúde de uma determinada população, incluindo a extensão dos possíveis danos, a sua persistência, a reversibilidade e os efeitos retardados.” Comissão das Comunidades Européias. Comunicação da Comissão relativa ao princípio da precaução. Bruxelas, 02.02.2000. COM (2000) 1. p. 14.
[65] BENJAMIN, Antonio Herman V. “Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental.” In: Revista de Direito Ambiental. n. 9, ano 3, jan-mar, 1993. p. 18.
[66] TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas Jurisdicionais do Meio Ambiente: tutela inibitória, tutela de remoção, tutela do ressarcimento na forma específica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 214.
[67] NOIVILLE, Cristine. “Ciência, Decisão, Ação: três observações em torno do princípio da precaução.” In: VARELLA, Marcelo Dias (org.). Governo dos Riscos: Rede Latino-Americana – Européia sobre Governo dos Riscos, p. 62.
[68] Neste sentido encontra-se COMISSÃO das Comunidades Européias. Comunicação da Comissão relativa ao princípio da precaução. Bruxelas, 02.02.2000. COM (2000)1, bem como decisões prolatadas por CAA Bordeaux, Fédération départementale dês chasseurs dês Landes, 13 de janeiro de 2004 e Ministre de l’aménagement du territoire et de l’environnement, 2 dezembro de 2003.
[69] TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas Jurisdicionais do Meio Ambiente: tutela inibitória, tutela de remoção, tutela do ressarcimento na forma específica, p. 221.
[70] SENDIM, José de Sousa Cunhal. Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos, p. 146-7.